Floresta Encantada, crônica de Raquel Naveira,2017

Entrei numa floresta encantada pelas mãos da artista plástica gaúcha, Ana Ruas, radicada há vinte anos em Mato Grosso do Sul. Ela criou um painel imenso, exposto em uma das salas de exposições do Museu de Arte Contemporânea, o Marco.

Crianças pintaram na parte baixa e ela, com um andaime, concluiu a obra. O resultado é comovente. Uma profusão de cores; traços; troncos; folhas, talvez de salgueiros, palmeiras, leitosos sicômoros; fios de fontes jorrantes; amplas manchas e buracos de sombras; raízes e cipós que se cruzam, múltiplos e secretos. É o retrato de uma poderosa manifestação de vida, dos caminhos ora claros, ora escuros, de nosso inconsciente.

No ateliê, as crianças conversaram com a artista que lhes perguntou o que era preciso ter na floresta para ela se tornar encantada. As respostas foram surpreendentes e poéticas: tem que ter bichos, borboletas, pássaros, fadas, gnomos, magia e aventuras. Árvores grandes, que brilham entre vagalumes.

Flores pequeninas e cheias de pólen. Príncipes, sapos e feitiços. Paz e imensidão. Tinta escorrendo por toda parte e até, pasmem o neologismo, alguns “cachorroscórnios”. A floresta encantada é mesmo um lugar bom para brincar de boneca, preparar um piquenique, escrever poesia e meditar nas clareiras.

Sentei-me no banco admirando a tela, sorrindo ao ler as frases infantis, tão espontâneas, e, súbito, penetrei na floresta, no meio da cabeleira de folhas. Abraço uma árvores cuja copa toca o céu. É um carvalho. Daqueles que o trovão e a tempestade não dobram.

Recolho as bolotas espalhadas pelo chão. Esta árvore é ponto central do mundo, mas há serpentes maléficas atacando suas raízes, eu sei, pressinto. Frutos fatais, sementes venenosas. Cardos espinhentos. A floresta e seus terrores. As mandíbulas devoradoras. Angústia e opressão me dominam. Saio do transe quando uma mulher entra na sala com passos fortes.

Tento retomar então a ideia de serenidade, de simpatia em relação à floresta. Convencer-me de que aqueles ramos de acácia vermelha significam alegria. Que aqueles juncos têm flexibilidade e sons de flautas. Que há perfumes de jasmim, lírio e terra molhada espargidos nos ares. Respiro fundo nesse gozo, nesse êxtase de arrebatamento.

Afinal, sou eterna menina apaixonada pelos contos de fadas, esses livros   que os séculos não destroem, redescobertos a cada geração. Não são apenas fantasias, são portas abertas para verdades humanas ocultas. Anseios profundos da alma.

Na floresta encantada tudo vibra e tem voz: os animais, as plantas, o sol, a lua, as estrelas, a água, tudo é regido por uma força única e superior de harmonia. Na floresta encantada, eu gostaria de me perder, de me encontrar e de viver para sempre.

Que prazer espiritual me proporcionou apreciar sua Floresta Encantada, Ana Ruas.

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