Entrevista UNB revista virtual, 2015

Museologia & nterdisciplinaridade,vol.IV,n7,out/nov de 2015

A experiência museal: discutindo a relação dos museus com seus visitantes na contemporaneidade

Capa: Entrevista com Ana Ruas

R&M:  A intervenção Balaustres de 2004 no Museu de Arte Contemporânea do Mato Grosso do Sul durou dez anos e  (re)configurou o edifício durante este período. Como foi o processo de manutenção da obra neste período, seu relacionamento com o museu e, por fim, o “apagamento” da obra em 2014? Ana Ruas: Eu tenho orgulho de apresentar no meu portfólio a intervenção Balaústre. Penso que era um trabalho bem resolvido, ao contrário de alguns outros que eu não faria de novo. Também foi realizado no MARCO, um espaço generoso e de grande potencial. Durante os 10 anos, não houve manutenção, pois não era o objetivo estar lá para sempre, por outro lado não havia data para acabar. Parecia que o trabalho tinha se incorporado ao museu, marcava presença e criava diálogos. De forma geral, a intervenção provocava questionamento sobre tempo e espaço, sobre a relação do antigo e do novo, do ontem e do hoje, e do que realmente podemos considerar contemporâneo. Durante o período de permanência da obra, o saldo geral foi positivo. Um ou outro arquiteto inicialmente, ficou incomodado com aquele elemento arquitetônico, que transformava uma rampa em uma escada. Outra vez, um grupo finalizou uma performance, jogando tinta  pelo chão e pela  parede, atingiu assim a obra. Fiquei surpresa e na hora, comecei limpar para retirar a tinta. Depois, percebi que, minha reação foi impulsiva  e provoquei um desconforto  desnecessário com o grupo, a tinta era lavável e creio que os respingos não foram intencionais. Tudo foi resolvido com água! Num outro momento, um artista selecionado para um salão de arte, criou uma obra usando barro que subia por cima da balaustrada, como se estivesse engolindo a rampa, e foi premiado por isso! A coordenadora do museu não foi consultada para autorizar tal obra e, eu só fiquei sabendo quando entrei no museu para prestigiar o salão, parecia então, que não existia diálogo com o propósito de tal ação! Nunca publiquei o texto que escrevi à respeito. Preferi o silêncio!  Em 2014, solicitei ao museu a autorização para apagá-lo, durante o seminário Entre vários Olhares – da pintura à intervenção, meu projeto contemplado pelo Prêmio FUNARTE Mulheres nas Artes Visuais. Convidei as 200 pessoas participantes a ajudar apagar os balaústres, aproveitando assim, a discussão do efêmero na arte contemporânea. Foi emocionante! Pessoas ajudaram, outras fotografaram e outras ficaram perplexas. A obra Balaústres  e o Apagamento foram igualmente  significativas. O happening que marcou o Apagamento criou um estranhamento e um suspense incrível. Na hora seguinte, o vazio, o silêncio e o branco deram margens à discussão sobre a ausência dos balaústres. Penso que a obra ganhou ainda mais força. R&M:  É indubitável que no conjunto de seu trabalho a ocupação e a transformação do espaço podem ser compreendidas para além das possibilidades museológicas. Do mesmo modo, sua compreensão do elemento arquitetônico, seja na acepção convencional, seja na amplitude da condição urbana, nos apresenta o estranhamento e a suspensão do cotidiano habitado. Penso, por exemplo, em Projeção, de 2008, no viaduto Pedro Chaves em Campo Grande e Colunas, de 2009, na Pinacoteca da UFAL. De onde você parte para compreender o espaço a intervir? Ana Ruas: Crio arquiteturas efêmeras que embora possam atribuir novos significados ao espaço, a obra continua dialogando com ele. O assunto é sempre o lugar habitado, por isso, eu preciso entender e estar nele para tomar as

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 MUSEOLOGIA & INTERDISCIPLINARIDADE  Vol.1V, nº 7, out. / nov.  de 2015

decisões. Durante a pré-produção, levo em consideração todos os elementos e detalhes arquitetônicos, a localização/movimentação do espectador, assim como, o tempo que ele tem para ler a obra. No viaduto Pedro Chaves, a intenção era transformar  uma estrutura plana em uma superfície dobrável, como um origami.  Na Pinacoteca da UFAL, em Maceió, a pintura criava a sensação de que estávamos em um mezanino e que as colunas continuavam abaixo do chão da sala.

R&M:  A partir de sua experiência, quais as dificuldades de um artista contemporâneo em produzir intervenções/alterações em espaços museológicos convencionais ou alternativos. Há diferenças consistentes? Ana Ruas: Quando a intervenção faz parte de um período de exposição, algumas instituições não acreditam que eu posso realizar em 3 ou 4 dias. Outra situação frequente é que nem sempre há permissão para interferir nas salas, no meu caso com a pintura. Em espaços externos ou espaços alternativos, isso ocorre com menos frequência e se tem menos burocracia. Nas duas circunstâncias, todavia, a questão da documentação do processo artístico é crucial. Tanto em espaços convencionais quanto alternativos minhas obras são criadas sob o signo do efêmero. Assim sendo, busco documentar ao máximo o processo, como forma de guardar alguma memória das e sobre as obras. R&M:  Em seus projetos poéticos é visível o diálogo com programas e projetos educativos. Muitos artistas contemporâneos são contrários ao atual sistema de mediação, qual a sua relação com os educadores dentro e/ou fora das instituições? Ana Ruas: Considero importante os programas e os projetos educativos, inclusive, quando faço exposições em Campo Grande, minha presença é constante no museu. Acredito na mediação quando ela provoca questionamentos e não quando é feita de forma a despejar informações. No meu ateliê, desde 2011, realizo projetos educativos com escolas públicas e particulares, contemplando

Ana Ruas

workshop para alunos e para professores com ou sem Leis de Incentivo! Entre os projetos tenho “Como introduzir a arte contemporânea na escola”, “Leitura de imagem” e “Motivos  e estratégias para evitar o desenho estereotipado na escola”. Meu ateliê tem também a função de criar público e ampliar discussões de arte contemporânea com artistas, curadores, críticos de arte, professores universitários, acadêmicos e apreciadores de arte. Como artista e como cidadã, penso ser importante criar estratégias, para formação do público e de ações que visem a Educação do olhar, assim, além de produzir, dou minha contribuição para que as próximas gerações talvez estejam mais interessadas e motivadas a contemplar e discutir a arte, em especial a arte contemporânea.

Ana Ruas . www.anaruas.com.br. vive e trabalha em Campo Grande – MS. Tem como pesquisa, num repertório conceitual, o espaço e o lugar habitado ; a intervenção urbana de sua e de outras cidades; a luz do centro-oeste; os imensos espaços aéreos e a arquitetura tipicamente horizontal da cidade de Campo Grande. O desejo de intervir  leva a artista a criar arquiteturas efêmeras,  capazes de imprimir um caráter de ilusão e magia. As pinturas não tem qualquer finalidade prática, mas, mostra como é possível criar  novas sensações e, portanto,  novos significados ao espaço. Usa a pintura como  linguagem e a superfície

 de viadutos, muros, paredões , no centro e nos bairros de periferia. O mesmo ocorre nas intervenções em ambientes internos, como museus e galerias. Em 2014, participou da Bienal del Fin del Mundo, em Mar del Plata, na Argentina e pintou a fachada do MACP – Museu de Arte e de Cultura Popular, Cuiabá, MT, em comemoração aos 40 anos da Instituição. Em 2013, foi contemplada com o prêmio FUNARTE Mulheres nas Artes Visuais, com o projeto Seminário Entre Vários Olhares: da Pintura à Intervenção. O projeto foi executado em 2014 atingindo um público de 205 pessoas. Entre 2001 e 2003, idealizou o projeto A Cor das Ruas, contemplando 53 bairros de Campo Grande, com a participação de 720 adolescentes de diversas instituições. Em 2015, a artista venceu o Prêmio PIPA na categoria Popular.

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