A obra de Ana Ruas como um todo se elabora a partir de questões próprias da linguagem da pintura, às quais a artista busca resolver, ora preenchendo pequenas ou grandes telas em séries, ora recobrindo muros ou, ainda, se divertindo com o jogo do palimpsesto nas paredes de seu atelier. Em todas essas possibilidades, busca respostas para as relações entre as formas e as cores, o tempo e o espaço, a tela e o texto, o atelier e a cidade. Para cada uma assume um papel e um compromisso, seja como professora de crianças e adultos no atelier; como cidadã estendendo um olhar diferenciado para a cidade; como artista abrindo novas possibilidades para adolescentes e crianças de bairros periféricos ou, enquanto ela mesma, refletindo sobre o lugar que ocupa como sujeito no espaço da cidade.
Transita, então, do particular para o público com a mesma urgência e necessidade, o que a leva também ao colecionismo como fonte de criação. Riscos de bordados, vidros com sobras de linhas de bordar e costurar, medidores de leite em pó, tecidos que em outros tempos serviram de roupas, cobertas e toalhas, como também pincéis, espátulas e paletas estabelecem um contraponto original para a compreensão de seu universo. Ana não os utiliza diretamente, mas partem de sua presença as configurações da memória e da expressão de uma subjetividade em constante procura e formação. Nesta medida, experimenta vários suportes, abusa rigorosamente de cores, de texturas, de técnicas, mostrando não apenas o resultado, mas também a operação descontinuada que faz parte do processo de criar uma obra.
As telas se configuram a partir de vivências e experiências de seu dia-a-dia. O que pode ser mais comum do que um garfo, mais íntimo e mágico do que contar histórias ou mais prazeroso do que jogar-se em uma boa rede? Todas as suas telas resultam em séries nas quais procura equacionar problemas essencialmente pictóricos, que vão da monocromia – seus tons, semitons, suas vantagens ou desvantagens, à visibilidade das pinceladas, ao uso da colagem, por exemplo. Como resolver estas questões que também são solicitações dos temas escolhidos? Daí começa o seu processo pessoal de seleção e manipulação para chegar ao projeto da tela. Que expressividade possui determinada cor quando assume uma pequena superfície? Qual o grau de intensidade quando em um plano maior? Cada hesitação resulta em um novo caminho, abre novas possibilidades. Vamos encontrar respostas nas obras prontas, mas já como problemas parcialmente solucionados.
O desejo de intervir no olhar domesticado e dotar a cidade com novas perspectivas, pelo menos do ponto de vista das cores, leva a artista a criar arquiteturas efêmeras. São as intervenções realizadas em viadutos, paredes cegas ou muros, capazes de imprimir um caráter de ilusão e magia apagando momentaneamente a superfície-objeto como realidade. O mesmo ocorre nas intervenções em ambientes internos, como museus e galerias. São, antes de tudo, pinturas liberadas de qualquer finalidade prática, mas que, aliadas ao embrutecimento provocado pelo hábito, criam novas sensações e, portanto, recobrem o espaço de novos significados.
Nas paredes, Ana se dedica também ao jogo entre a forma e a memória do desenho. O que estava materialmente inscrito perde contornos e nitidez e se torna mais um registro, um “instantâneo-eterno”. Mantém, deste modo, um experimento no tempo e no espaço, um palimpsesto, uma forma velada e que, ao mesmo tempo, sempre poderá voltar à cena como reminiscência.
Assim, a obra de Ana Ruas se configura entre dois pólos, o da materialidade e o da efemeridade. As formas convencionais e os pontos de vista que entram em conflito com a realidade são experimentações próprias de uma poética na qual recortar, colar e montar ou recordar e refazer são movimentos produzidos com a mesma intensidade. Sem limites ou exageros, eles são partes de um processo particular que sustenta toda sua produção.
Maria Adélia Menegazzo
Crítica de Arte/UFMS
Campo Grande, julho de 2011