Ana Ruas – como um desenho mágico.
Desde pelo menos os anos 60, as artes têm se apresentado por meio de processos poéticos radicais nos quais os valores firmados pela tradição não mais se reconhecem e, portanto, não podem ser contemplados passivamente pelo observador. A arte conceitual encontrou nesses processos uma nova forma de estabelecer vínculos entre suas práticas e a sociedade, buscando interferir nas diversas esferas do cotidiano dos sujeitos envolvidos – artista e público.
Se naquele momento houve transformações no estatuto da obra de arte, radicalizando as propostas das vanguardas históricas, hoje, além de ser um espaço simbólico autônomo e privado, a arte volta-se novamente para as relações humanas e seu contexto social, interferindo no espaço mais próximo. São recortes de um momento presente e efêmero, que dizem respeito a uma realidade objetiva, identificável e circunscrita. Além disso, o “chão” se tornou o campo de exploração do artista contemporâneo. A ocupação do espaço cotidiano rompe o acordo de que só é arte o que está dentro da moldura, sobre um pedestal e em determinadas superfícies.
Desde os anos 90, Ana Ruas tem no repertório conceitual seu ponto de partida e interfere no espaço urbano de Campo Grande, tanto no centro quanto nos bairros, construindo cenários e ordenando o ambiente com A Cor das Ruas, seu projeto mais conhecido. Numa certa medida, corrige visualmente os pontos de desequilíbrio da cidade, usando desenhos monumentais, jogando com as cores, as formas e suas sombras.
Agora, Ana Ruas volta ao MARCO – Museu de Arte Contemporânea - e invade a sala com as formas descomunais de ferramentas utilizadas na construção civil. No entanto, se bem notarmos, é antes o vazio deixado pelas formas que se destaca contra o fundo azul da parede. A este vazio, soma-se a intensa verticalidade e bidimensionalidade dos objetos. A obra fala, assim, do processo de verticalização da cidade, conhecida até bem poucos anos pela sua imensidão e ocupação horizontal, sinônimos de liberdade e qualidade de vida. O contraste entre o azul (do céu?) e o desenho vazado que se expande por toda a sala branca materializa ao mesmo tempo a obra como objeto de contemplação e de crítica.
Ao nos voltarmos para sair da sala, tijolos com tijolos constroem um desenho mágico, uma réplica do que vemos hoje em dia por toda a cidade. Ana continua nas ruas, continua olhando Campo Grande com os olhos de quem ama, respondendo ao espaço com um desenho tão efêmero quanto o atual traçado da cidade. Nem por isso, menos poético.
Maria Adélia Menegazzo
Crítica de Arte/UFMS
Folder Construções Verticais/2010